Resistência cerebral à insulina e comportamento alimentar
Hélio Tonelli
Psiquiatra interconsultor da Clínica João Caetano Marchesini
Obesidade, diabetes e resistência à insulina (definida como a diminuição da função da insulina nos tecidos alvo) costumam estar associados a alterações no comportamento alimentar, no humor e até mesmo na cognição. Indivíduos com alterações cognitivas relacionadas à senilidade ou sofrendo de Doença de Alzheimer (DA) apresentam sinais de resistência cerebral à insulina como o aumento da fosforilação do substrato serina-1 do receptor da insulina e diminuição da concentração de insulina do líquor. Além disso, ratos knockout para o receptor de insulina ativam a enzima glicogeno-sintetase-quinase-3 beta, o que resulta em fosforilação da proteína tau, uma assinatura bioquímica da DA. Estes achados têm estimulado a pesquisa pelas alterações comportamentais, emocionais, motivacionais e cognitivas associadas à resistência cerebral à insulina na obesidade.
A relação entre função cerebral e insulina é recente, pois acreditava-se que, em se tratando de um grande polipeptídeo, a insulina não atravessasse a barreira hematoencefálica. Além disso, o cérebro é capaz de utilizar a glicose através de processos independentes da insulina. Mas existem receptores de insulina distribuídos por diversas regiões do cérebro, um órgão que possivelmente é capaz de produzir este hormônio. Estas regiões compreendem o hipotálamo, o córtex pré-frontal, o estriado ventral e o hipocampo. A resistência cerebral à insulina não produz apenas alterações de comportamentos alimentares e déficits cognitivos, mas também pode acarretar problemas no metabolismo periférico da glicose, predispondo à diabetes mellitus tipo II.
Estados de resistência cerebral à insulina na obesidade parecem estar relacionados à inflamação sistêmica deflagrada pelas citocinas liberadas pelos adipócitos e explicam muitos dos comportamentos alimentares disfuncionais observados em indivíduos obesos, como os binges , a compulsão alimentar noturna e o grazing , os quais podem
ser revertidos com a cirurgia bariátrica. De fato, estudos de neuroimagem funcional na obesidade mostram que obesos mórbidos apresentam alterações da resposta de regiões cerebrais a pistas alimentares, tais como aumento da atividade de circuitos relacionados ao processamento da recompensa alimentar (como o estriado ventral e o córtex órbitofrontal [COF]) e diminuição do controle cognitivo, uma variável processada pelo córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL). Além disso, muitos estudos mostram que estes processos podem ser revertidos pela cirurgia bariátrica.
A resistência cerebral à insulina provocada pela inflamação sistêmica induzida pela obesidade atua de diferentes formas, na dependência da região afetada. O córtex frontal tem diferentes papeis na regulação do comportamento alimentar. Maior atividade do CPFDL está associada ao sucesso em cumprir dietas, pois dali parte um controle top-down de estruturas como o COF, o córtex do cíngulo e o estriado ventral, respectivamente associados à codificação do valor hedônico do alimento, a motivação para comer e a recompensa associada à comida. Portanto, todas estas estruturas, que operam em conjunto em processos de tomada de decisão, têm seu funcionamento