Prezados membros da SBCBM,
Há cerca de dois anos iniciamos um intenso trabalho para incluirmos a cirurgia metabólica no rol de procedimentos de cobertura obrigatória da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Nosso pleito foi lastreado nas evidências científicas que demonstram a eficácia e segurança da Cirurgia Bariátrica no tratamento do Diabetes Tipo 2 (DM2) em pacientes com obesidade grau I (Índice de Massa Corporal – IMC – entre 30 e 34,9 Kg/m2) e dificuldade no controle clínico medicamentoso isolado, o que convencionou-se chamar de Cirurgia Metabólica. Como estratégia de submissão, solicitamos uma alteração na própria Diretriz de Utilização (DUT) da Cirurgia Bariátrica, incluindo uma nova indicação, seguindo os parâmetros da resolução 2.172/2017 do Conselho Federal de Medicina.
Para atendermos aos pré-requisitos exigidos pela ANS para a incorporação no rol elaboramos três estudos: uma Revisão Sistemática das Evidências Científicas, um Estudo de Custo-efetividade, e uma Análise de Impacto Orçamentário no Setor de Saúde Suplementar. Em paralelo a isso contratamos uma agência de publicidade que trabalhou em parceria com nossa equipe interna de comunicação, para que divulgássemos o conceito, ainda pouco difundido no nosso meio, e formássemos uma base de apoio popular para a fase final do processo que envolveria a participação da sociedade civil através de uma Consulta Pública. Criamos peças para jornais de grande circulação, anúncios em revistas de bordo de companhias aéreas, veiculamos spots de rádio, e produzimos vídeos com depoimentos de especialistas e pacientes submetidos à cirurgia metabólica para as redes sociais. Diversas peças foram criadas para as mídias digitais (Google, Facebook, Instagram, YouTube), elencando as principais vantagens da cirurgia metabólica especificamente nas pessoas com Diabetes tipo 2. Tudo feito com muito cuidado, respaldado nas melhores evidências científicas e nos preceitos éticos da publicidade médica, e colocando o valor institucional acima de qualquer interesse pessoal.
Buscando um engajamento legislativo para ampliar nosso apoio, participamos de audiências públicas na Câmara dos Deputados e no Senado, buscamos ajuda com parlamentares que se identificam com o tema da saúde, e nos reunimos com o então ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta e seu corpo técnico. Fizemos eventos conjuntos e conversamos com a maioria das sociedades de especialidades que atuam na linha de cuidado da pessoa com diabetes. Buscamos e encontramos apoio técnico e político na AMB. Estabelecemos um relacionamento de cooperação mútua com a ADJ Brasil, a mais forte e organizada entidade não governamental voltada a ações em defesa da pessoa com diabetes, representada por pacientes e familiares que convivem com a doença em todas as suas vertentes.
No que diz respeito diretamente à ANS, participamos da sessão de abertura do ciclo de atualização do rol em janeiro de 2019, onde foram discutidos os critérios e o trabalhoso processo de submissão que foi formatado em maio do mesmo ano. Nesse ciclo de atualização do rol foram submetidas 1137 propostas, foram consideradas elegíveis pouco mais de 400, incluindo o nosso pleito relacionado à expansão da indicação da cirurgia bariátrica. Após meses de análise técnica, com reuniões presenciais e pareceristas externos, para a nossa decepção, a ANS divulgou neste mês que apenas e unicamente 13 procedimentos obtiveram uma recomendação preliminar de incorporação positiva. Todas as demais tiveram sugestão preliminar de “não incorporação”, inclusive a proposta da SBCBM que foi classificada como “GASTROPLASTIA (CIRURGIA BARIATRICA) POR VIA LAPAROSCOPICA OU LAPAROTÔMICA.”
Durante a fase de análise técnica, a SBCBM juntamente com a Associação Nacional dos Hospitais Privados (ANAHP), realizou uma defesa técnica presencial abordando todos os aspectos da tecnologia. É importante destacar que nessa apresentação enfrentamos enorme resistência das fontes pagadoras representadas pela ABRAMGE, FENASAÚDE e UNIMED BH que financiaram analistas de tecnologia em saúde para criticar e tentar obstruir a incorporação da cirurgia metabólica, apresentando questionamentos e argumentos enviesados e descabidos, que foram refutados por nós, inclusive com o envio de uma nota técnica arrazoada que se contrapunha a cada ponto criticado. Curiosamente esse mesmo técnico contratado para desconstruir a cirurgia metabólica estivera meses antes na sede da SBCBM para ouvir nosso planejamento e discutir a possibilidade de realizar estudos de economia da saúde para nossa sociedade, o que não nos foi interessante à época.
Finalmente, a ANS encaminhou todos os documentos, discussões e estudos para um grupo de técnicos da UFRJ para que fosse elaborada uma recomendação preliminar. Em seu relatório executivo eles criticaram a escassez de grandes estudos com dados exclusivos de pessoas com IMC abaixo de 35. Não consideraram suficientes os 13 estudos prospectivos e randomizados que mostraram a superioridade do tratamento cirúrgico em pessoas com diabetes e obesidade leve a moderada. Tampouco levaram em conta os diversos estudos de coortes pareados realizados com grande rigor metodológico usando robustos bancos de dados e que foram publicados nos mais importantes periódicos da literatura médica, ou a imensidão de trabalhos que mostram o conjunto de alterações endócrino-metabólicas independentes da perda ponderal que sabidamente levam a melhora clínica nos pacientes operados. Também não consideraram os estudos clínicos e meta-análises que demonstraram equivalência no controle metabólico independentemente do IMC, nem contabilizaram os efeitos resultantes da redução do peso, dos níveis glicêmicos, do colesterol e dos níveis pressóricos na doença renal crônica, na doença arterial periférica, na insuficiência cardíaca, no câncer, entre outros já bem estabelecidos em vários estudos publicados.
Curiosamente, na hora de analisar a custo-efetividade da nossa proposição, que estimou uma Razão de Custo-Efetividade Incremental (ICER) de R$ 23.603,00/QALY, o que vem a ser um valor extremamente custo-efetivo, desconsideraram os valores apresentados e trouxeram números de um estudo abarrotado de vieses e conflitos de interesse, que apontou elevação nos custos de saúde no paciente bariátrico após a cirurgia; este sim retrospectivo, envolvendo uma população totalmente diferente de indivíduos obesos mórbidos, não diabéticos em sua maioria, submetidos ao bypass gástrico por laparotomia, visto que a abordagem laparoscópica só foi introduzida no estado de Minas Gerais pela UNIMED BH depois de 2012, por obrigatoriedade da ANS. Os pareceristas não observaram o fato de a população controle ser 8 anos mais nova, visto que são comparados os gastos de saúde dos pacientes 4 anos antes e 4 anos depois da cirurgia. Sem falar dos conflitos de interesse dos seus autores, que em todos os outros procedimentos submetidos à análise de incorporação da ANS, financiaram profissionais para desconstruir suas argumentações. Vale ressaltar que mesmo nesse estudo, cuja autora principal é uma diretora da UNIMED BH, não houve significância estatística entre os gastos de pré e pós-operatório nos subgrupos com diabetes ou com diabetes mais hipertensão.
Ao mesmo tempo que criticaram nossos números, alegando “incertezas”, não apresentaram nenhum outro número que pudesse substituí-lo. Note que nossos estudos restringiram-se a analisar o impacto da redução do peso e do controle do diabetes, na incidência de infarto e Acidente Vascular Cerebral (AVC). Não contabilizamos redução de câncer, doença vascular periférica, neuropatia, retinopatia ou doença renal, apneia do sono, etc, todas essas sabidamente influenciadoras da depreciação da qualidade de vida, da mortalidade e dos custos diretos e indiretos.
Finalmente desprezaram o trabalho da Câmara Técnica de cirurgia Bariátrica e Metabólica e do Plenário do Conselho Federal de Medicina, órgão máximo de controle do exercício médico, que depois de deliberar entre alguns dos mais destacados especialistas do país, regulamentou o uso da cirurgia metabólica publicando a resolução 2.172/2017.
Para a ANS, um ponto crucial na análise de incorporação é o custo da incorporação para o setor. E para isso nós apresentamos um estudo de impacto orçamentário. Calculamos o número de pessoas com DM2 e IMC entre 30 e 34,9, com idade entre 30 e 70 anos, com menos de 10 anos de doença, e sem controle com o tratamento medicamentoso há pelo menos dois anos e estimamos uma adoção lenta e gradual ao longo dos anos. Os analistas, porém, fizeram uma previsão de que, já no primeiro ano de sua incorporação, teríamos uma adoção de 1,5% da população elegível, muito superior à da cirurgia bariátrica para obesidade mórbida que já existe há mais de 20 anos. Esse grande índice de adoção é incompatível com a realidade, visto que, ao contrário da cirurgia bariátrica, que tem grande popularidade pela baixa eficácia dos tratamentos clínicos da obesidade, a cirurgia metabólica se direciona ao diabetes que tradicionalmente possui um grande arsenal terapêutico e tem no tratamento clínico conservador sua grande referência. Para a ANS o impacto no orçamento do setor seria superior a R$ 500 milhões em 5 anos, bem superior ao que estimamos de R$ 286 milhões, mesmo sem levar em consideração a redução nas complicações microvasculares do diabetes (nefropatia, retinopatia, amputações e tratamento do pé diabético), nem os benefícios indiretos sobre as outras comorbidades.
Mesmo considerando o impacto orçamentário apontado pela ANS, dividindo-se esses cerca de R$ 500 milhões, usados no tratamento comprovadamente mais eficiente para portadores de diabetes de difícil controle, ao longo de 5 anos, teríamos um valor por usuário de dez reais. Isso mesmo, aproximadamente dezoito centavos por mês durante cinco anos. Considerando todas os exageros dos pareceristas.
O próximo passo é uma Consulta Pública, onde toda a sociedade civil poderá dar sua contribuição, discordando do parecer preliminar e colocando seu posicionamento, pensamento, experiência, sentimento, etc. Essa é a oportunidade de revertermos a recomendação preliminar negativa da cobertura do procedimento. Ao opinar pela discordância do parecer preliminar todos podem inserir comentários, referências de estudos, dados pessoais, trechos de publicações, teses, ou simplesmente sua opinião pessoal e razão para sugerir que a Agência não deve acatar a recomendação inicial, e sim, estender a indicação da cirurgia bariátrica para obesidade leve em pessoas com diabetes. Essa é nossa “última bala na agulha”, nossa única esperança: sensibilizar a área técnica que analisará as contribuições nos próximos meses e os diretores da ANS que se reunirão em março para dar seu parecer final.
A consulta pública já está aberta no portal eletrônico da ANS e receberá contribuições até o dia 21 de novembro. Todas as informações e insumos para participar da consulta pública estarão no nosso hotsite www.vidanovametabolica.org.br e no site da SBCBM (www.sbcbm.org.br).
Nesse momento, precisamos que todos participem dessa luta, mobilizando suas redes de contatos, familiares, alunos, pacientes e equipes, estimulando-os a participar. Vamos usar nosso conhecimento e nossa capacidade de vencer desafios para derrubar mais essa barreira. É muito importante que cada um sinalize sua discordância com o parecer da ANS e inclua sua argumentação pessoal sobre a importância desse procedimento no site.
Peço humildemente que todos se entreguem e façam parte disso, votando e deixando seus comentários na consulta pública, discordando da recomendação. Nossa argumentação poderá influenciar a diretoria da ANS a reconsiderar nosso pleito.
Para acessar a Consulta Pública no site da ANS, clique aqui.
Estamos fazendo a nossa parte enquanto instituição, com muito esforço. A SBCBM é grande, mas nada é mais poderoso do que todos nós juntos. Precisamos nessa reta final do apoio de todos e de cada um.
Abaixo vocês podem ver os três estudos que realizamos e apresentamos à ANS em maio de 2019.
Abaixo estão os documentos referentes ao Parecer Técnico da ANS e o Relatório de Análise Crítica elaborado pelo grupo técnico da UFRJ
Cordialmente
Marcos Leão Vilas Bôas
Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica